Fortuna Critica

Tudo sobre meus irmãos

Leonardo Brasiliense


Alexandre Lucchese
Zero Hora, Porto Alegre, 24/11/2017

Há heranças que vão além do sangue e dos aspectos materiais - às vezes, capazes de levar famílias ao desespero. É o que demonstra Roupas sujas, livro em que Leonardo Brasiliense reafirma seu domínio da narrativa adulta, depois do êxito como contista e autor infantojuvenil. O escritor gabrielense autografa a obra na próxima terça-feira, às 19h, na Livraria Cultura, em Porto Alegre.
Vencedor de dois prêmios Jabuti (2007 e 2011), o autor fez sua primeira incursão pelo romance adulto com Decapitados (2014), em que o sumiço de uma estranha relíquia faz uma pequena cidade afundar em desordem. O novo livro, no entanto, abandona o ar fantástico do anterior e mergulha no cotidiano de uma família de colonos do interior gaúcho nos anos 1970, explorando as relações entre seus personagens. Na mesma medida em que há afeto e delicadeza, há também disputas e brutalidade.
A história começa com uma experiência limite, em que Antônio, que cresce numa família de sete irmãos, descreve o nascimento do caçula Pedro. O parto se complica, e a mãe não resiste. Vendo a morte da mulher e o desespero da parteira, o patriarca rasga seu ventre e salva a criança.
A cena demonstra logo de cara o cenário de escassez em que o clã retratado vive. Para documentar esse ambiente, Brasiliense usou sua experiência pessoal - como filho de bancário, viveu em diferentes cidades pequenas do Estado - e também realizou pesquisas e entrevistas.
- Não faz tanto tempo, mas as coisas eram muito diferentes nos anos 1970. Tudo era mais simples, e as crianças tinham suas funções em casa. Não havia essa proteção que há hoje, esse controle em nome do politicamente correto - afirma Brasiliense.
A trama avança até os anos 2000, com separações, mortes e outros fatos que abalam a união familiar. Apesar das dificuldades, as relações se renovam e se mantêm vivas, mesmo depois que o clã se fragmenta no ambiente urbano.
- Quis narrar a história de uma família que não consegue ultrapassar suas perdas. É como um pesadelo recorrente. Parece que, sempre que as coisas vão melhorar, algo ocorre e impede o avanço. Por outro lado, eles conseguem permanecer ligados de algum modo. Quis explorar como esse destino familiar impactava as narrativas individuais - conta Brasiliense.
O livro tem quatro narradores. No início, um dos irmãos, Antônio, compõe uma narrativa a respeito do passado familiar. Na sequência, há uma série de cartas recebidas por Antônio de Valentina, irmã e confidente. No final, há também um trecho do diário de Pedro. Nas notas de rodapé, há uma voz onisciente, capaz de contextualizar situações e explicar detalhes que escapam ao olhar dos familiares.
- Quis ter essa perspectiva dos personagens adultos, em ambientes diferentes daquele de origem - explica Brasiliense.
O livro constitui uma crônica convincente da vida rural nos anos 1970, ao mesmo tempo em que retrata dramas familiares universais. Irmãos que competem entre si, mas também se completam, situações de culpa e limitações impostas por costumes fazem parte do romance. Leonardo Brasiliense prova mais uma vez a capacidade de se renovar - e renovar temas há tanto tempo explorados pela literatura.

 

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